Guiné Equatorial: da pena de morte ao não cumprimento das recomendações do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas

Em 2019, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) – órgão intergovernamental no seio do sistema das Nações Unidas responsável pelo reforço da promoção e proteção dos Direitos Humanos a nível mundial e pela abordagem de situações de violação dos Direitos Humanos – fez várias observações ao governo da Guiné Equatorial relacionadas com a implementação de compromissos ao abrigo do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado pela Guiné Equatorial em 1986.

O novo relatório do APROFORT publicado esta terça-feira abrange o período de 2020 a 2021 e salienta que foram feitos poucos progressos no seguimento das recomendações do CDH e que a situação no país continua a exigir melhorias significativas, ratificando ainda algumas das preocupações também expressas num recente relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

No período em análise, a pandemia global levou a um aumento das restrições aos direitos fundamentais, através da adoção de medidas de confinamento ou recolher obrigatório que, em muitos casos, resultaram em multas ilegais ou detenções arbitrárias pelo não uso de máscara ou maus tratos por contornar os confinamentos, ações consideradas contrárias ao disposto no Pacto Internacional.

Em março de 2021, as explosões num complexo militar na cidade de Bata mataram mais de 100 pessoas e feriram cerca de mil, situação que também teve impacto nos direitos civis e políticos dos equato-guineenses. O Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas manifestou profunda preocupação com a falta de independência da jurisdição militar, que foi utilizada para julgar os alegados perpetradores e impediu as vítimas das explosões de reclamar compensações pelos danos causados e ferimentos sofridos.  Além disso, até 18 pessoas da mesma família vítimas das explosões foram arbitrariamente detidas na prisão de Bata, durante mais de uma semana, sem processo judicial, sob a acusação de ocupação de habitação social vazia.

“O direito à habitação é um direito reconhecido pelas convenções ratificadas pelo país, mas os despejos ilegais acontecem todos os dias sem que haja o devido processo”, acusa María Jesus Bikene, advogada da APROFORT. O relatório agora divulgado teve em conta, entre outros, os casos da clínica legal APROFORT, em Malabo, que presta assistência jurídica a mulheres, raparigas ou ativistas dos Direitos Humanos, entre outros grupos vulneráveis.

O Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas já tinha expressado, em 2019, preocupação sobre detenções arbitrárias de ativistas, discriminação contra a comunidade LGTBQI+ ou rusgas contra migrantes. Estas situações continuam a ocorrer, como denunciado por Joaquín Elo Ayeto, ativista da plataforma Somos+, e Trifonia Melibea Obono, da associação Somos Parte del Mundo.

Alfredo Okenve, do CEIDGE – ONG cuja ilegalização foi contestada pelo Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas –, denunciou que “a sociedade civil ainda está limitada por numerosas restrições e obstáculos administrativos, que violam os direitos fundamentais de associação e expressão e limitam a plena participação das ONG na Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (EITI)”.

Apesar de a Guiné Equatorial não ter ainda abolido a pena de morte, o relatório nota que não houve sentenças de pena de morte. Denuncia, no entanto, “alegadas mortes em esquadras de polícia ou às mãos de forças de segurança que não foram esclarecidas”, denuncia Ponciano Mbomio, advogado e membro da Comissão Equatoguineense de Juristas, organização parceira do relatório.

“O fim da pena de morte deve ser uma prioridade, uma vez que não é concebível que, após oito anos de adesão à CPLP, este compromisso não tenha sido cumprido. Infelizmente, tem havido escândalos de corrupção envolvendo Portugal e a Guiné Equatorial desde então, um risco para o qual alertámos no passado”, defende Ana Gomes, ex-eurodeputada e ex-diplomata, que se candidatou à Presidência da República de Portugal em 2021.

O relatório destaca algumas medidas positivas, que incluem a promulgação de uma lei anti-corrupção. No entanto, “a lei anti-corrupção está mais uma vez paralisada e, na prática, acaba por não ser implementada “, refere Tutu Alicante, da EG Justice. “Além disso, o programa de reforma acordado com o FMI inclui privatizações de áreas estratégicas e mesmo sociais que constituirão um agravamento adicional para a população no futuro, se a lei anti-corrupção não for cumprida”, acrescenta.

Segundo Ana Lúcia Sá, investigadora do ISCTE, “as perspetivas para os próximos anos no país não são muito positivas. As reformas acordadas com a CPLP e o FMI são muito mais lentas do que a corrida sucessória em favor do filho do atual presidente, que está no poder há mais de 40 anos”.

Por seu turno, Karina Carvalho, Diretora Executiva da TI Portugal, salienta que “este relatório visa encorajar as autoridades a acelerar a implementação das observações do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, para, com urgência, abolir a pena de morte e implementar a lei anti-corrupção”.

Uma comitiva de representantes da TI Portugal espera estar em Malabo no final de maio com a intenção de reunir com as autoridades locais para discutir as conclusões do relatório e promover reformas.

O relatório está disponível em inglês e em espanhol. Estamos a trabalhar para disponibilizar a versão portuguesa o mais depressa possível.